O que não se descobre no escuro.
Quando percebemos já estávamos sozinhas, a cozinha antes alvoroçada por causa do jantar que servimos, agora vazia, fria, organizada, limpa e tediosa. Já não via a hora de ir dormir, estava tão cansada, que já cochilava em pé.
Já eram onze e meia da noite, eu mal acreditava que ia dormir, me enrolar no meu endredom, enfim apagar.
De repente vieram dois hóspedes e nos pediu que lhes arrumássemos um quarto, separado da bagunça que aqueles adolescentes faziam, afinal não era mole supervisionar todos os duzentos e oitenta acampados num mesmo lugar.
Sem ao menos me perguntar, minha mãe prontamente lhes ofereceu dois apartamentos, os mais silenciosos que podiam existir dentro do acampamento.
Eram longe de toda bagunça, bem aconchegantes, de onde só se podia ouvir grilos.
Fiquei muito estressada, mas fazer o quê? Precisava do emprego, o jeito era obedecer.
Os homens se foram, com a promessa de que teriam uma noite tranquila e nós nos preparamos para a “luta”, afinal, deveríamos limpar todo o quarto, para cumprir nossa tarefa.
No caminho para chegar nos apartamentos, passando pela matinha, podia sentir o cheiro do mato, a brisa que se passava, procurei me atentar ao que se passava a minha volta, para ver se meu estresse passava. Pena que a noite estava bem escura e o céu não estava estrelado como eu gostava de apreciá-lo.
- Mãe as luzes dos apartamentos estão apagados, onde fica o disjuntor? Perguntei.
Ainda no caminho minha mãe apontou, mais adiante um poste, que ficava bem longe do nosso destino.
Corri até lá e liguei o disjuntor.
- Ai o que aconteceu? Ela gritou.
Era minha mãe, que eu nem conseguia ver, de tão escuro que estava.
Para minha surpresa o disjuntor era das luzes dos postes da estrada e não dos apartamentos como eu havia pensado, essa luz era a única coisa que clareava aquele fim de mundo. Virei a chave novamente na esperança de clarear, estava muito escuro mesmo.
- Porquê não acende? Perguntei.
- As lâmpadas são de mercúrio, demoram para acender novamente.
- Que é aquilo? Meu Deus, que é isso? Avoz trêmula de minha mãe, me fez arrepiar.
- Minha filha tá vendo aquilo?
Olhando na direção da voz dela, logo vi o que a amedrontava tanto. Me arrepiei de cima à baixo, nas minhas pernas percorriam uma corrente de dor misturada com medo, aquilo me subiu pela espinha afora, de arrepiar até as sombrancelhas, tentei falar mas a voz nem saía, não dominava mais os meus joelhos que teimavam em tremer desordenadamente.
- Mãe eu já ví, mas fingi que não ví, vamos embora daqui.
Joguei os baldes, o rodo, segurando apenas uma vassoura, para me defenderse precisasse.
- Vamos mãe, anda mais rápido! Eu disse.
- Não consigo! Ela respondeu, olhando para trás, mais uma vez, com a voz mais trêmula ainda, me avisa:
- Tá mais perto! Me ajuda!
Então olhando para trás de mim, vi aquela coisa, dois olhos vermelhos, enormes, como duas tochas de fogo, que se aproximavam cada vez mais, quanto mais eu andava, não podia correr e deixar minhamãe para trás, mais os olhos cresciam em cima de nós.
Se fosse só eu que tivesse visto, seria compreensivo, afinal eu era muito medrosa, mas a minha mãe, gente a minha mãe era a pessoa mais corajosa que conhecia, vê-la com todo aquele pavor, quando terminei esta análise, coisa que fiz em segundos, logo disse:
- Anda mãe! Vamos correr!
Voltei para trás, peguei em sua mão, só não peguei no colo porque não a aguentava, andamos mais rápido ainda, sem deixar de olhar para trás e muito menos largar a vassoura, era a que me valia no momento. Mas ainda estava lá a nos vigiar, parecia que apreciava o que nos ocorria. Ao passar pela curvinha do caminho, enfim consegui respirar aliviada, tive a sensação de tranquilidade, já não os via mais.
Ainda meio atônita à tudo o que aconteceu, ainda tentando entender o que ocorrera, a luz voltou, mas já estávamos longe, chegando de volta a cozinha.
Com as pernas trêmulas ainda, demos de cara com os hóspedes, os mesmos que iam ocupar os apartamentos, que já iam ao nosso encontro. Logo relatei o que ocorrera e nem assim desistiram de seus objetivos.
Abriram a porta do carro e nos convidou a irmos com eles, aceitamos, pois pelo menos eu não tinha intenção nenhuma de sair daquele carro.
Quase perto dos apartamentos, agora na claridade dos postes, em meio às risadas, sobre o relato que eu acabara de lhes contar, ouve-se um grito:
- Pára o carro, agora eu vi! Disse o cidadão, boquiaberto.